Guia clínico atualizado sobre insuficiência cardíaca com fração de ejeção reduzida (ICFEr): fisiopatologia, diagnóstico clínico e laboratorial, uso de BNP, tratamento farmacológico e não farmacológico, prognóstico e terapias avançadas.
O que é a ICFEr?
A insuficiência cardíaca com fração de ejeção reduzida (ICFEr) é a incapacidade do coração de bombear sangue de forma eficaz para atender às demandas metabólicas do organismo.
- É a principal causa de hospitalização cardiovascular no Brasil em pacientes > 60 anos.
- Mortalidade hospitalar média de 12,5%, idade média dos internados de 64 anos e fração de ejeção de ~38%
- Etiologias frequentes: miocardiopatias isquêmica, hipertensiva, alcoólica, chagásica, infecciosa e induzida por drogas (ex.: antracíclicos).
Fisiopatologia da Insuficiência Cardíaca
A função cardíaca é determinada por:
- Débito Cardíaco (DC) = Frequência Cardíaca (FC) × Volume Sistólico (VS).
- Pré-carga: volume que distende o ventrículo antes da contração (lei de Frank-Starling).
- Pós-carga: resistência ao esvaziamento do ventrículo (pressão arterial + complacência vascular).
- Remodelamento ventricular:
- Sobrecarga de pressão → hipertrofia concêntrica (ex.: HAS, estenose aórtica).
- Sobrecarga de volume → dilatação excêntrica (ex.: insuficiência aórtica).
A IC é uma doença progressiva, com ativação neuro-hormonal crônica (noradrenalina, RAA, vasopressina), levando a remodelamento, fibrose e disfunção ventricular.
Sinais e Sintomas
Baixo débito cardíaco
- Fadiga, fraqueza, intolerância ao exercício.
- Anorexia, confusão mental, hipotensão.
- Extremidades frias e mal perfundidas.
Congestão pulmonar
- Dispneia, ortopneia, dispneia paroxística noturna.
- Estertores, taquipneia, murmúrio vesicular reduzido em bases.
Congestão sistêmica (VD)
- Inapetência, plenitude abdominal, hepatomegalia dolorosa.
- Edema com cacifo, ascite, estase jugular, refluxo hepatojugular positivo.
Achados semiológicos
- B3: associado a disfunção sistólica, marcador de mau prognóstico.
- B4: relacionado à disfunção diastólica.
Diagnóstico
Critérios clínicos
- Framingham:
- Maiores: DPN, estase jugular, crepitações, cardiomegalia, EAP, B3, PVC > 16, RHJ, perda de peso > 4 kg com diurético.
- Menores: edema MMII, tosse, dispneia, hepatomegalia, derrame pleural, taquicardia.
- Diagnóstico: 2 maiores ou 1 maior + 2 menores.
- Boston: combina achados clínicos, radiológicos e físicos.
Exames complementares
- Ecocardiograma: método padrão para avaliação da FE (Simpson/Teichholz).
- Ressonância magnética cardíaca: padrão-ouro, indicada em dúvidas diagnósticas.
- BNP/NT-proBNP:
- Elevam-se por estresse hemodinâmico ventricular.
- Valor prognóstico (maior risco de morte e IC em SCA – estudo TACTICS TIMI 18).
- Obesidade pode reduzir níveis; idade, DRC e anemia podem elevar.
- Importante: em uso de sacubitril/valsartana, dosar NT-proBNP (o BNP se mantém artificialmente elevado).
Prognóstico
Pioram o prognóstico:
- Classe funcional NYHA avançada.
- Idade avançada e etiologia isquêmica.
- Remodelamento ventricular importante e regurgitação mitral significativa.
- Disfunção renal, diabetes mellitus, baixa tolerância a medicações.
- Escore MAGGIC (40 mil pacientes): integra variáveis clínicas para estratificação.
Tratamento da ICFEr

Medidas Gerais
- Controle de peso, restrição de sal e líquidos em casos graves.
- Vacinação (influenza, pneumococo).
- Reabilitação cardíaca supervisionada.
Terapia farmacológica
Bloqueio do SRAA
- IECA (enalapril, captopril): reduzem mortalidade e morbidade.
- BRA (losartana, valsartana): alternativa em intolerância ao IECA.
- ARNI (sacubitril/valsartana): superior ao IECA em reduzir hospitalização e mortalidade (PARADIGM-HF).
Betabloqueadores
- Carvedilol, metoprolol succinato, bisoprolol: reduzem mortalidade.
Antagonistas da aldosterona
- Espironolactona, eplerenona: indicados em NYHA II–IV com FE ≤ 35%.
Diuréticos
- Melhoram sintomas congestivos, sem impacto em mortalidade.
Vasodilatadores
- Hidralazina + nitrato: benefício em afrodescendentes ou intolerância ao IECA/BRA.
Outros
- Digoxina: pode ser usada em IC sintomática, mas deve-se monitorar níveis séricos.
Terapias Avançadas
- CDI: indicado em FE ≤ 35% após 3 meses de tratamento otimizado, NYHA II–III, expectativa de vida > 1 ano.
- CRT (ressincronizador): indicado em QRS ≥ 130 ms, FE ≤ 35%, NYHA II–IV.
- Dispositivos de assistência ventricular (DAV) e transplante cardíaco: opções em casos refratários.
Conclusão
A ICFEr é uma síndrome complexa e progressiva, com alta morbimortalidade. O manejo adequado exige:
- Diagnóstico clínico criterioso (Framingham/Boston + ECO).
- Uso de biomarcadores como NT-proBNP.
- Terapia farmacológica otimizada (ARNI, BB, ARA, antagonistas da aldosterona).
- Indicação correta de dispositivos (CDI/CRT).
Com abordagem estruturada, é possível reduzir mortalidade e melhorar qualidade de vida.