Entenda tudo sobre dislipidemia: causas, classificação, exames, metas de tratamento, medicamentos e diretrizes atuais. Guia completo e atualizado para médicos em pronto-socorro e consultório.
O que é Dislipidemia?
A dislipidemia é a alteração nos níveis de lipídios no sangue, especialmente colesterol total, LDL, HDL e triglicerídeos. Essas alterações estão diretamente relacionadas ao risco de doença cardiovascular aterosclerótica, principal causa de morte no mundo.
Os lipídios mais importantes na prática clínica são:
- Colesterol: essencial para membranas celulares e hormônios esteroides.
- Triglicerídeos: principal fonte de energia.
- Fosfolipídeos: compõem membranas celulares.
- Ácidos graxos: substrato energético e componentes de lipoproteínas.
Metabolismo e Formação da Placa Aterosclerótica
- LDL: principal lipoproteína envolvida na formação da placa aterosclerótica. Seu excesso leva à deposição no endotélio, ativação inflamatória e formação de células espumosas.
- HDL: tem efeito protetor, realizando o transporte reverso de colesterol.
- Placa estável: rica em colágeno, menor risco de ruptura.
- Placa instável: neovascularizada, inflamatória, com maior risco de trombose.
Diagnóstico da Dislipidemia
Exames laboratoriais
- Colesterol total (CT): desejável < 190 mg/dL.
- LDL: alvo depende do risco cardiovascular.
- HDL: > 40 mg/dL.
- Triglicerídeos (TG): < 150 mg/dL em jejum; < 175 mg/dL sem jejum.
Não é necessário jejum para dosagem do perfil lipídico, exceto se TG > 400 mg/dL.
Fórmula de Friedewald
LDL = CT – HDL – (TG/5).
Inadequada se TG > 400 mg/dL.
Colesterol não-HDL
Mais confiável em hipertrigliceridemia, representa todas as partículas aterogênicas (Apo B).
Classificação da Dislipidemia
- Primária (genética): ex.: hipercolesterolemia familiar (HF).
- Secundária: doenças ou medicamentos.
Causas secundárias
- Aumentam CT e TG: corticoides, ACO, hipotireoidismo, DRC, obesidade.
- Aumentam apenas TG: tiazídicos, etilismo, hiperglicemia.
- Aumentam apenas CT: anorexia, anabolizantes, hepatopatias.
Estratificação de Risco Cardiovascular
- Muito alto risco: doença aterosclerótica estabelecida, obstrução arterial > 50%, LDL > 190, aneurisma de aorta, DRC avançada, score de cálcio > 100.
- Alto risco: DM com complicações, múltiplos fatores de risco.
- Intermediário: risco 5–20% (homens) ou 5–10% (mulheres).
- Baixo risco: < 5%.
Escore de cálcio coronariano
- Útil em pacientes assintomáticos de risco intermediário.
- 100 (ou > percentil 75) = alto risco.
- Não indicado em baixo risco, alto risco ou pacientes com evento prévio.
Tratamento da Dislipidemia
Mudança de estilo de vida (MEV)
- Dieta: reduzir gordura saturada (<7%), evitar trans, incluir fibras solúveis e fitoesteróis.
- Exercício físico: reduz TG e aumenta HDL.
- Cessar tabagismo e reduzir álcool.
Estatinas
- Primeira escolha. Inibem a HMG-CoA redutase, reduzindo produção hepática de colesterol.
- Redução de eventos CV comprovada (estudos 4S, HPS, TNT, JUPITER).
- Efeitos colaterais: miopatia (mialgia, fraqueza), hepatotoxicidade rara.
- Atorvastatina e rosuvastatina em altas doses são as mais potentes.
Ezetimiba
- Inibe absorção intestinal de colesterol.
- Reduz LDL em 10–25%.
- Indicado em associação a estatina quando meta não é atingida (IMPROVE-IT trial).
Resinas (colestiramina)
- Seguras em gestantes, lactantes e crianças.
- Limitadas por efeitos gastrointestinais.
Inibidores de PCSK9 (evolocumabe, alirocumabe)
- Reduzem LDL em até 60%.
- Indicação: pacientes de alto risco que não atingem metas mesmo com estatinas e ezetimiba (FOURIER, ODYSSEY).
- Alto custo e administração injetável.
Fibratos
- Reduzem TG, aumentam HDL.
- Indicação: TG > 500 mg/dL (prevenção de pancreatite).
- Evitar combinação com genfibrozila + estatinas.
Ácido nicotínico e ômega-3
- Uso limitado; evidências mistas para redução de risco cardiovascular.
- REDUCE-IT mostrou benefício com EPA 4g/dia, mas não disponível no Brasil.
Dislipidemias Especiais
- Hipercolesterolemia familiar: LDL > 190 mg/dL, xantelasmas, arco corneano precoce.
- Diabetes mellitus: padrão de HDL baixo, LDL pequeno e denso, TG elevado.
- Idosos: maior risco de efeitos colaterais → individualizar tratamento.
- Gestantes: usar colestiramina; estatinas são contraindicadas.
- Crianças/adolescentes: iniciar MEV; estatinas podem ser usadas a partir de 10 anos (7 em casos graves).
Conclusão
A dislipidemia é um dos principais fatores de risco cardiovascular. O diagnóstico deve ser baseado no perfil lipídico, sempre interpretado conforme o risco global do paciente. O tratamento envolve mudança de estilo de vida e, quando necessário, uso de estatinas como primeira linha, associando outras drogas em casos refratários.
Identificar pacientes de alto risco, como portadores de hipercolesterolemia familiar e diabéticos, é fundamental para reduzir eventos cardiovasculares e mortalidade.
Referências
- SBC. Diretriz Brasileira de Dislipidemia e Prevenção da Aterosclerose. 2017.
- Grundy SM, et al. 2018 AHA/ACC/Multi-Society Cholesterol Guideline. J Am Coll Cardiol. 2019.https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/31733217/
- Cannon CP, et al. IMPROVE-IT Trial. N Engl J Med. 2015.
- Sabatine MS, et al. FOURIER Trial. N Engl J Med. 2017.
- Ridker PM, et al. JUPITER Trial. N Engl J Med. 2008.