Guia clínico completo sobre miocardiopatias: chagásica, hipertrófica, periparto, quimioterápica, restritiva, amiloidose, taquicardiomiopatia, não compactado, displasia arritmogênica de VD, Fabry e miocardites, com diagnóstico e tratamento atualizados.
O que são Miocardiopatias?
As miocardiopatias representam um grupo heterogêneo de doenças que afetam diretamente o músculo cardíaco, levando a alterações estruturais, funcionais e elétricas.
Podem ser genéticas, adquiridas, inflamatórias, infiltrativas ou tóxicas, sendo uma causa importante de insuficiência cardíaca, arritmias e morte súbita.
Miocardiopatia Chagásica
- Causada pelo Trypanosoma cruzi, ainda prevalente no Brasil.
- Estima-se que 20–40% dos infectados evoluam para a forma cardíaca.
- Fase aguda: febre, linfadenopatia, sinal de Romaña.
- Fase crônica: distúrbios de condução (BRD + BDAS), aneurisma apical, IC, tromboembolismo e morte súbita.
- Diagnóstico: parasitológico (fase aguda), sorologia (fase crônica), ECG, ECO e RM com realce tardio.
- Tratamento: IECA/BRA, BB, antagonistas de mineralocorticoides, CDI, transplante em casos avançados.
Cardiomiopatia Hipertrófica
- Doença genética autossômica dominante, prevalência de 0,2%.
- Principal causa de morte súbita em jovens atletas.
- Caracteriza-se por hipertrofia do VE (assimétrica em 70%), disfunção diastólica e obstrução da via de saída.
- Diagnóstico: ECO (espessura ≥ 15 mm), RM (fibrose > 15% = maior risco de morte súbita).
- Tratamento: betabloqueadores, verapamil, CDI em prevenção primária/secundária, septomiectomia ou ablação alcoólica em casos refratários.
Miocardiopatia Induzida por Quimioterápicos
- Associada a agentes como antracíclicos (doxorrubicina), ciclofosfamida, trastuzumabe, sunitinibe.
- Dois tipos:
- Tipo 1: irreversível (antracíclicos).
- Tipo 2: reversível (trastuzumabe).
- Prevenção: monitorar com ECO/strain, BNP, troponina.
- Tratamento: IECA/BRA, BB, dexrazoxano (protetor aprovado pelo FDA).
Miocardiopatia Periparto
- Insuficiência cardíaca de início no último mês de gestação até 5 meses pós-parto.
- Fatores de risco: idade > 30, pré-eclâmpsia, HAS, multiparidade.
- Diagnóstico: ECO (FE < 45%), RM (padrão característico).
- Tratamento: semelhante à IC, mas evitando IECA/BRA na gestante; hidralazina + nitrato são opções.
- Puerpério: IECA e BB seguros; evitar espironolactona em lactantes.
- Bromocriptina pode ser considerada em casos graves.
Taquicardiomiopatia
- Disfunção ventricular induzida por arritmias sustentadas (FA rápida, TV incessante, ESV > 10.000/24h).
- Importante diagnóstico diferencial, pois é potencialmente reversível.
- Tratamento: controle de ritmo ou frequência; recuperação pode levar até 1 ano.
Miocárdio Não Compactado
- Cardiomiopatia genética, mais frequente em homens.
- ECO: relação não compactado/compactado > 2.
- RM: relação > 2,3.
- Clínica: IC, arritmias e fenômenos embólicos.
- Tratamento: padrão da IC, anticoagulação se FE < 40% ou trombo, CDI em alto risco, transplante em casos graves.
Síndrome de Takotsubo
- Cardiomiopatia aguda induzida por estresse, predominante em mulheres de meia-idade.
- Quadro clínico simula IAM, mas coronárias normais.
- ECO: balonamento apical transitório.
- Prognóstico geralmente favorável, com recuperação em 3–6 meses.
- Evitar inotrópicos adrenérgicos; levosimendan pode ser opção.
Displasia Arritmogênica de VD
- Doença genética caracterizada por substituição do miocárdio por tecido fibro-adiposo.
- Manifesta-se em jovens com arritmias ventriculares, síncope ou morte súbita.
- Diagnóstico: ECG (onda épsilon), ECO/RM (acinesia/aneurisma de VD).
- Tratamento: evitar esportes competitivos, betabloqueadores, amiodarona, CDI em prevenção secundária.
Miocardiopatias Restritivas
Incluem doenças com aumento da rigidez ventricular:
Amiloidose Cardíaca
- Depósito extracelular de fibrilas amiloides (AL ou TTR).
- ECO: aspecto granular, átrios aumentados, derrame pericárdico.
- RM: realce difuso subendocárdico.
- Tratamento: diuréticos, tafamidis (ATTR-ACT trial), evitar digoxina.
Hemocromatose
- Acúmulo de ferro miocárdico.
- Diagnóstico: RM T2*.
- Tratamento: flebotomia seriada até ferritina < 50 ng/mL e IST < 50%.
Endomiocardiofibrose
- Deposição fibrosa endocárdica, comum em regiões tropicais.
- Envolve átrios dilatados, ventrículos de tamanho normal e insuficiência valvar.
Doença de Fabry
- Doença genética ligada ao X, causada por deficiência da enzima alfa-galactosidase A.
- Apresenta HVE concêntrica, arritmias e isquemia.
- Tratamento: reposição enzimática específica.
Miocardites
- Inflamação do miocárdio, geralmente viral (enterovírus, adenovírus, parvovírus B19).
- Manifesta-se com dor torácica, arritmias, IC aguda ou morte súbita.
- Miocardite fulminante pode evoluir para choque, mas até 90% recuperam função ventricular.
- Diagnóstico: RM com realce tardio, biópsia endomiocárdica em casos selecionados.
- Tratamento: suporte clínico da IC, imunossupressão em casos específicos.
Conclusão
As miocardiopatias representam um espectro amplo de doenças que comprometem o músculo cardíaco.
O diagnóstico precoce e a diferenciação entre os subtipos são fundamentais para guiar o tratamento, reduzir hospitalizações, prevenir morte súbita e melhorar o prognóstico.