As atualizações das diretrizes da American Heart Association (AHA) sempre geram grande repercussão entre os profissionais de saúde, especialmente aqueles que atuam na linha de frente do atendimento a pacientes em parada cardiorrespiratória (PCR). A versão 2025 do Advanced Cardiovascular Life Support (ACLS) não foi diferente — gerou dúvidas, receios e, para alguns, até um certo alarde.
Mas a pergunta que realmente importa é: o que de fato mudou? E o que você precisa saber para manter um atendimento eficiente, baseado em evidência e com raciocínio clínico?
Neste artigo, vamos revisar ponto a ponto as principais alterações do guideline ACLS 2025, entender o racional por trás delas e, principalmente, mostrar o que realmente importa na prática.
Sumário:
- Introdução: O que realmente mudou no ACLS 2025?
- Prancha Rígida: foco nas compressões, não na imobilização
- Controle de Temperatura: reforço na prevenção da hipertermia
- Meta de Pressão Arterial: individualização no pós-ROSC
- Uso do Bicarbonato: indicação mantida, mas reforçada
- Epinefrina no pós-PCR: o risco do engessamento do raciocínio clínico
- Oxigenação: evitar hiperóxia continua sendo regra
- Manejo das Convulsões: fenitoína fora do cenário agudo
- Reflexão Crítica: quando o guideline esquece o essencial
- O que realmente importa você saber no ACLS
- Conclusão: Estude com raciocínio, não com decoreba
1. Prancha Rígida: Fim da obrigatoriedade
Diretriz 2025: não se recomenda mais o uso rotineiro da prancha rígida durante a ressuscitação.
Interpretação clínica: Nenhuma mudança real. A AHA apenas reforçou o que já sabemos há anos — o foco da RCP de alta qualidade está nas compressões torácicas eficazes e na desfibrilação precoce. A superfície rígida não deve atrasar ou prejudicar o atendimento. Mantenha a taxa de compressão alta (idealmente, acima de 80% do tempo total da RCP) e priorize a desfibrilação nos ritmos chocáveis.
2. Controle de Temperatura: Oficializando o bom senso
Diretriz 2025: manter temperatura entre 32 e 37,5ºC nas primeiras 24 horas após o retorno da circulação espontânea (ROSC).
Interpretação clínica: Essa recomendação já existia em edições anteriores, com foco na prevenção da hipertermia. A febre no pós-PCR deve ser combatida independentemente da causa, pois está associada a pior desfecho neurológico.
3. Pressão Arterial Média (PAM): Reforço na individualização
Diretriz 2025: manter PAM acima de 65 mmHg após o ROSC.
Interpretação clínica: Nada novo. A meta de PAM ≥ 65 mmHg já é amplamente adotada em terapia intensiva. A novidade aqui é o reforço na monitorização contínua e na individualização do tratamento, ajustando condutas conforme a resposta clínica do paciente.
4. Bicarbonato: Uso seletivo, não protocolar
Diretriz 2025: uso indicado em situações específicas, como hipercalemia, acidose metabólica grave e intoxicações.
Interpretação clínica: A orientação apenas reforça o uso racional da droga. O bicarbonato continua sendo contraindicado no uso rotineiro da PCR, e só deve ser administrado com base em indicação clínica bem definida.
5. Epinefrina no pós-PCR: Cuidado com o uso automático
Diretriz 2025: recomenda o uso de epinefrina no pós-PCR.
Interpretação clínica: Aqui há um alerta importante. O guideline tende a engessar condutas que deveriam ser mais individualizadas. O uso indiscriminado de epinefrina pode ser prejudicial, especialmente em pacientes normocárdicos ou taquicárdicos. Nesses casos, a noradrenalina pode ser mais apropriada, por não aumentar tanto a frequência cardíaca.
Mensagem central: raciocínio clínico acima de algoritmo. Avalie o contexto hemodinâmico antes de definir a droga vasoativa.
6. Oxigenação: Menos é mais
Diretriz 2025: evite hiperóxia após o ROSC. Use a menor FiO2 possível para manter SpO2 acima de 94%.
Interpretação clínica: Essa prática já está consolidada há anos. A hiperóxia pode ser tão danosa quanto a hipóxia, especialmente em pacientes com lesão cerebral pós-parada. A conduta correta é iniciar com FiO2 de 100% e reduzir gradualmente conforme a saturação estabiliza.
7. Convulsões e Fenitoína: Um alerta antigo
Diretriz 2025: não utilizar fenitoína como prevenção de convulsões de rotina apenas após um evento.
Interpretação clínica: A fenitoína não é indicada para controle de crises convulsivas em curso, apenas como prevenção em pacientes que já tiveram um episódio. Essa recomendação já consta em diversos consensos neurológicos. O foco segue sendo o cuidado neurológico pós-parada, com ênfase na proteção cerebral.
Reflexão: O que o ACLS 2025 realmente nos ensina?
Apesar da expectativa por grandes mudanças, a verdade é que o guideline 2025 pouco altera a prática clínica consolidada nos últimos anos. Em muitos pontos, apenas reafirma condutas já conhecidas — e, infelizmente, deixa lacunas importantes, como a ausência de recomendações claras sobre o uso do POCUS (ultrassom point-of-care) durante a PCR, uma ferramenta cada vez mais indispensável no atendimento avançado.
Essa ausência reforça uma crítica importante: o risco de transformar um protocolo clínico em um script engessado, desprovido de raciocínio.
Quem apenas decora algoritmos, vive defasado.
Quem entende o paciente, já está atualizado — mesmo antes da diretriz sair.
O que você realmente precisa dominar para atender uma PCR com segurança?
- Suporte Básico de Vida (BLS)
Compressões eficazes, ritmo adequado, ventilação correta. - Manejo de Via Aérea
Uso de AMBU, cânulas e dispositivos supraglóticos (ex: máscara laríngea). - Reconhecimento dos ritmos de PCR
Saber interpretar o ECG e identificar FV, TVSP, AESP e assistolia. - Desfibrilação
Compreender a mecânica e as indicações corretas. - Uso racional das drogas
Epinefrina, amiodarona, bicarbonato e vasopressores no pós-ROSC. - Cuidados pós-parada
Controle de temperatura, oxigenação, hemodinâmica e neuroproteção. - Ultrassom Point-of-Care (POCUS)
Como ferramenta diagnóstica e de decisão durante a PCR.
Conclusão: guideline é mapa, não roteiro
Para dominar o ACLS, você precisa mais do que decorar fluxogramas. Precisa entender o paciente, a fisiologia e o contexto clínico. Só assim é possível tomar decisões rápidas, seguras e com impacto real na sobrevida e recuperação do paciente.
Minha dica prática? Monte seu raciocínio clínico como um funil:
- Qual a história desse paciente?
- O que ainda posso reverter?
- Qual conduta tem o maior impacto agora?
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