Publicado por Luiz Eduardo Bessa Silveira – Editor CardioPS

O que é OCA?

Primeiramente, é importante compreender que o conceito de OCA (oclusão coronária aguda) representou uma verdadeira mudança de paradigma na medicina. O infarto, que antes era diagnosticado apenas por achados eletrocardiográficos e pela clínica de dor precordial, passou a ser redefinido. Até o final da década de 1990, utilizava-se principalmente a presença ou ausência de onda Q. Já a partir dos anos 2000, com a publicação da primeira definição universal de infarto, o critério central passou a ser a presença ou ausência de supra de ST.

Vale destacar que o diagnóstico baseava-se em um achado eletrocardiográfico, dividindo a síndrome em dois grandes espectros: Infarto com supra de ST (quando havia elevação do segmento ST que atendesse aos critérios em milímetros e derivações contíguas) ou Infarto sem supra de ST (IAMSSST), quando não havia supra, mas os marcadores de lesão miocárdica estavam positivos. Isso resultou em inúmeros diagnósticos falso-positivos e falso-negativos, levantando questionamentos sobre a acurácia do diagnóstico do infarto. Revisões recentes demonstraram que aproximadamente 56% dos pacientes com OCA não apresentam supra de ST no eletrocardiograma — percentual que pode chegar a 62% em estudos que avaliaram apenas casos de OCA envolvendo a artéria descendente anterior.

A nova classificação de OCA ou OMI / NOCA ou NOMI veio para deixar de lado o diagnóstico pelo eletrocardiograma e por suposições (I think that’s it), para se tornar anatômico (I see — I’m sure that’s it), por meio da cineangiocoronariografia (CATE).

Os sinais de OCA são fundamentais para reconhecer os pacientes que necessitam de abordagem imediata.

 1. Conceito primário: Lesão culpada aguda com fluxo TIMI 0 ou 1 NO CATE
 2. Conceito secundário: Uma lesão culpada com fluxo TIMI 0 ou 1, ou fluxo TIMI 2 ou 3, acompanhada de um pico de troponina T ≥ 1.000 ng/L (grande parte ROCA)

OBS: Alguns trabalhos levam em consideração valores mais altos de troponina para OCA – ROCA. Esse valor atual é fidedigno a maioria dos KITS para diagnóstico da oclusão coronária.

Nomenclaturas:
OCA: Oclusão coronária aguda
NOCA: Não oclusão coronária aguda
SOCA: Suboclusão coronária aguda
ROCA: OCA reperfundida

SINAIS DE OCA NO ECG

1. Supra de ST

Sinal mais conhecido da medicina associado ao infarto. Ótimo marcador (quizá o melhor) com uma RV+ ~12,5. Atualmente é o único sinal com evidência para fibrinolítico. Abaixo estão os critérios de acordo com a quarta definição mundial de infarto (2018) (devem ser preenchidos em duas derivações contíguas).

Obs: Derivações laterais extras (V7-V9) e direitas (V3R e V4R) possuem critério variados em diversos trabalhos – considerar maior ou igual a 0.5mm ou 1mm

E quais são as fases do supra no ECG?

2. Onda T hiperaguda

É o segundo sinal de OCA que possui a melhor RV+ (cerca de 11,5-13 em trabalhos mais recentes). Só consegue ser diagnosticada com alta acurácica pela inteligência artificial, mas podemos diagnosticar uma onda T hiperaguda por seu caráter:

  • Ondas T de base ampla, desproporcionalmente grandes por área (altura e largura) em comparação com seu complexo QRS, volumosas, convexidade aumentada e anormalmente simétricas
  • A relação amplitude da onda T/amplitude do QRS tem mais significância clínica do que a amplitude da onda T sozinha

Meyers HP, Simančík F, Herman R, Rafajdus A, Frick WH, Nunes de Alencar J, Aslanger EK, Smith SW, Hyperacute T Waves are specific for Occlusion Myocardial Infarction, even without diagnostic ST elevation, JACC: Advances (2025), doi: https://doi.org/10.1016/ j.jacadv.2025.102120.

3. Padrão de Winter

Presente em 2% dos infartos anteriores, o padrão de Winter é um sinal de OCA em DA proximal que necessita de abordagem imediata!

De Winter et al. descreveram um padrão de ECG sem supra de ST, caracterizado por:

  • Depressão do ST de 1–3 mm no ponto J em V1–V6 (ascendente),
  • Ondas T altas, positivas e simétricas,
  • Elevação discreta do ST (1–2 mm) em aVR.

4. Padrão de Aslanger

O padrão de Aslanger representa em torno de 6,3% de todos os IAMSSST atuais. Seu achado no ECG está associado ao infarto inferior por oclusão coronária aguda, mais frequentemente por oclusão da circunflexa do que da coronária direita, em pacientes com doença multiarterial.

Ele se caracteriza por:

  • Supra de ST isolado na derivação III, mas não em nenhuma outra derivação inferior
  • Depressão de ST nas derivações v4-v6 sem envolvimento de v2, com uma onda T positiva/terminalmente positiva
  • Segmento ST na derivação v1 > v2

5. Fórmula de 4 variáveis de Smith

Em pacientes com supra de ST em V2–V4 e sintomas isquêmicos, pode ser difícil diferenciar entre repolarização precoce ou variante da normalidade e infarto por oclusão da descendente anterior.

Driver et al. criaram uma fórmula de 4 variáveis, incluindo os critérios da fórmula de SMITH, que possui:

  • Sensibilidade: 89%,
  • Especificidade: 95%,
  • Acurácia: 92% (ponto de corte ≥ 18,2)
 

A fórmula possui 4 medidas para seu cálculo:

  • Amplitude da onda R em V4,
  • Intervalo QT corrigido (QTc),
  • Supra de ST em V3 (60 ms após o ponto J).
  • Amplitude do QRS em V2
 
 

Pode ser avaliada através de calculadoras online: 

6. Bandeira da África do Sul ou OCA de parede anterior média

O sinal da bandeira da África do Sul é um padrão no ECG que indica infarto de parede anterior média.

Características principais:

  • Elevação do ST (geralmente discreta) em I, aVL e V2
  • Depressão do ST em DIII
 

Apesar de I e aVL representarem derivações contíguas, muitas vezes não são reconhecidas como tal no traçado padrão do ECG, e o fato da elevação aparecer em apenas uma precordial (V2) pode dificultar a identificação – Mas Bayes de Luna em seus estudos mostraram que a parede anterior média é real!

No formato de apresentação 3×4 do ECG de 12 derivações, o padrão se torna visualmente marcante, lembrando o desenho da bandeira da África do Sul.

Esse achado geralmente está associado à oclusão coronária aguda do primeiro ramo diagonal da descendente anterior.

7. OCA “Posterior” ou lateral

O infarto “posterior” é um diagnóstico frequentemente perdido no ECG de 12 derivações, pois esse registro não avalia bem os segmentos laterais dorsais do ventrículo esquerdo. A presença de imagem espelho em parede anterior apical reflete lesão na parede lateral dorsal do VE. Em 10-15% das OCAS “posteriores” não há supra de ST de V7-V9.

Características principais:

  • Depressão máxima do segmento ST em V1-V4, sem um distúrbio secundário gerando anormalidade no QRS (por exemplo, BRD)
  • Pode ou não haver supra de ST de V7-V9

8. Bloqueio de ramo direito isquêmico – de surgimento novo

O bloqueio bifascicular de início recente está associado à oclusão proximal da artéria descendente anterior esquerda e infarto de alto risco. O ramo direito e o fascículo anterior esquerdo recebem irrigação principalmente da descendente anterior em 90% dos casos, enquanto o fascículo posterior esquerdo vem da coronária direita na mesma proporção. Em 40–50% há suprimento duplo. Assim, a oclusão da descendente anterior pode causar bloqueio de ramo direito e/ou bloqueio fascicular anterior.

As diretrizes da ESC 2023 recomendam reperfusão imediata em pacientes com isquemia ativa associada a bloqueio de ramo direito. No entanto, os critérios de supradesnivelamento do ST têm apenas 40% de sensibilidade para detectar infarto oclusivo nesse contexto.

Características principais:

  • Bloqueio de ramo direito e BDAS que surgiram no contexto de dor torácica e clínica de OCA

9. BRE com critérios de Sgarbossa modificados positivos

O diagnóstico de infarto por oclusão em pacientes com bloqueio de ramo esquerdo (BRE) ou ritmo de marcapasso é difícil devido às alterações secundárias da condução ventricular. O estudo GUSTO-1 originou os critérios de Sgarbossa, posteriormente Smith modificou o 3 critério – aumentando sua sensibilidade.

Características principais dos critérios de Sgarbossa modificados:

  • Supra de ST ≥1 mm concordante em ≥1 derivação
  • Infra de ST ≥1 mm concordante em V1–V3
  • Supra de ST excessivo definido por ST/S ≥25%
 

Se presença de qualquer um critério, é considerado positivo.

Obs: no contexto de alta suspeita clínica e probabilidade pré-teste elevada, mesmo sem preencher critérios de Sgarbossa modificados ou Barcelona, o paciente deve ser encaminhado para a cineangiorogonariografia. Isso vale para qualquer bloqueio – lembre-se que o sinal principal de OCA é clínico. 

10. Alterações transitórias / dinâmicas

Isquemia dinâmica vs. “snapshot” do ECG

O ECG padrão de 12 derivações capta apenas um instante (~10 segundos) de um processo potencialmente dinâmico, com isquemia que pode ser transitória, intermitente ou progressiva.

Mudanças transitórias indicam que a oclusão, ou a instabilidade do trombo, pode estar em curso naquele exato momento — sinal claro de isquemia ativa

Características principais:

  • Mudanças transitórias da repolarização em ECG’s seriados, com o paciente referindo dor. É necessário o mesmo posicionamento dos eletrodos no paciente para a acurácia se tornar fidedigna – deixar os eletrodos e seriar os ECG’S. 

11. Distorção terminal do QRS

A distorção terminal do QRS, definida como ausência tanto de onda S quanto de entalhe no ponto J em V2 e V3, praticamente nunca está presente em elevação normal do ST nas precordiais (“repolarização precoce”). Portanto, quando há elevação do ST nas precordiais e se observa distorção terminal do QRS, isso é altamente específico para infarto por oclusão da artéria descendente anterior esquerda.

Lee et al. encontraram que, em 171 casos de repolarização precoce, todos apresentavam onda S em V2; 90% apresentavam onda S em V3; e todos os ECGs sem onda S em V3 tinham ondas J proeminentes (entalhe no ponto J). Assim, a ausência simultânea de onda S e onda J em V2 e V3 descarta efetivamente a hipótese de elevação normal do ST.

Características principais:

  • Ausência tanto de onda S quanto de entalhe no ponto J em V2 e V3
  • “Pseudo S” não base da linha de base isoelétrica

12. OCA de extremidades (Northern)

Recentemente foi documentado um novo padrão de infarto por oclusão em pacientes com anormalidades de repolarização decorrentes de isquemia extensa em doença arterial coronária multiarterial.

Esse padrão, denominado “infarto por oclusão northern” ou OCA de extremidades é definido por –

Características principais:

  • Qualquer elevação de ST em aVR e aVL acompanhada de onda T negativa, e
  • Qualquer depressão de ST em derivações inferiores e precordiais laterais acompanhada de ondas T positivas ou bifásicas.

13. Redemoinho precordial (precordial swirl)

O padrão de redemoinho precordial por oclusão denominado “precordial swirl” indica infarto por oclusão da artéria descendente anterior, geralmente proximal ao primeiro ramo septal.

São necessários estudos prospectivos para definir sua especificidade e sensibilidade.

Características principais:

  • Elevação acentuada do ST e/ou ondas T hiperagudas em V1-V2,
  • Associadas a depressão do ST e/ou inversão de onda T em V5-V6, criando uma aparência característica em vórtice horário das ondas ST-T nas precordiais

14. Onda N

A onda N é definida como um entalhe ou deflexão no final do complexo QRS, geralmente observada nas derivações II, III e aVF, podendo também aparecer em I e aVL.

Seu mecanismo está relacionado à ativação retardada da região basal do ventrículo esquerdo, território irrigado pela artéria circunflexa (LCX).

Está principalmente associada a oclusão ou suboclusão da LCX, sendo pouco frequente em infartos causados por lesões na artéria descendente anterior esquerda (6%) ou na coronária direita (18%).

Do ponto de vista diagnóstico, apresenta boa acurácia: nas derivações inferiores (II, III e aVF) tem sensibilidade de 77% e especificidade de 89%, enquanto em I e aVL mostra sensibilidade de 64% e especificidade de 96%.

Apesar de pouco conhecida, trata-se de um padrão eletrocardiográfico de grande valor na identificação da circunflexa como artéria culpada no contexto de OCA.

Considerações para fechar critérios do padrão:

  • A presença de um entalhe ou deflexão ao final do complexo do QRS nas derivações D2, D3, aVF e/ou laterais D1, aVL
  • A altura do entalhe ou deflexão deve ser de no mínimo 2 mm em relação ao segmento PR.
  • A duração do QRS nas derivações afetadas é prolongada, com valores superiores a 120 ms.
  • A onda N apresenta uma alteração contínua ao longo de 24 horas, podendo desaparecer ou transformar-se em uma onda S.

15. Síndrome de Wellens

É importante separar conceitos quando falamos de síndrome de Wellens…

Síndrome de Wellens: É uma ROCA

Clínica de OCA + melhora espontânea dos sintomas + achado eletrocardiográfico (padrão de Wellens) colhido sem dor – Confirmado no CATE lesão aguda em DA proximal reperfundida.

Padrão de Wellens:

Presença de onda T plus minus ou invertida de V2-V3 com caráter de distúrbio da repolarização primário, podendo se extender a V4 ou anterior apical completa, sem estar associado a bloqueios de ramo ou SVE – aqui a clínica é o mais importante para diferenciar as entidades

O mais importante – achado em diversas situações: Síndrome de Wellens (rOCA), evolução de OCA (no IAMCSST), TEP (com strain de VD), miocardite, pericardite, intoxicação por drogas, distúrbios hidroelétricos, HSA ou alteração importante de SNC, Takotsubo, fenômeno de chatterjee, SVE, Bloqueios de ramo, troca de eletrodos, variantes fisiológicas: atletas – principalmente afrodescendentes, mulheres – principalmente afrodescendentes, crianças, DAC crônica (algumas referências) e pós IAM com reperfusão (ATC, CRVM ou trombólise).

Pseudowellens:

Qualquer situação em que há o Padrão de Wellens mimetizando uma Síndrome de Wellens, porém, sem lesão proximal de DA aguda reperfundida.

16. Demais ROCA’s

Nota-se que podem haver tipos diferentes de reperfusões além da lesão em DA proximal (síndrome de wellens). A presença de onda T invertida e com caráter primário nos faz pensar em 3 situações:

  • Evolução do supra
  • Reperfusão
  • Espelho da onda T hiperaguda
 

Em grande partes do IAMCSST há TIMI 3 ou fluxo angiográfico restaurado – cerca de 10–30%, com valores frequentemente citados em torno de ~20%. As variações dependem da definição usada (fluxo angiográfico, resolução do ST, tempo até a angiografia) e se os pacientes receberam medicamentos antitrombóticos antes da angiografia.

17. SOCA – Isquemia circunferencial

Aqui se encaixam os padrões de suboclusão – o mais famoso a ser citado: isquemia circunferencial!

A isquemia circunferencial (ST↑ aVR + infra difuso) reflete isquemia subendocárdica global por lesões críticas múltiplas, sendo mais associada a suboclusão grave de tronco de coronária esquerda ou doença triarterial, e não a uma oclusão coronária aguda isolada.

  • Pacientes com ST↑ em aVR + infra difuso, apenas 10% apresentaram uma oclusão coronária aguda.
  • A grande maioria (≈90%) tinha doença coronária multiarterial grave, mas com fluxo preservado distalmente (suboclusão), ou até ausência de lesão significativa.
  • Isso significa que o padrão de isquemia circunferencial é mais um marcador de suboclusão crítica ou múltiplas lesões graves do que de trombose aguda com interrupção total do fluxo
 

Características principais:

  • Infradesnivelamento do segmento ST difuso em 7 ou mais derivações
  • Supradesnivelamento do segmento ST em aVR e V1

RESUMO DA ABORDAGEM NA SUSPEITA DE OCA

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